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terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Confetes de Montreal 2



Ola' Miguinhos e Miguinhas,

O inverno chegou por aqui.  Tivemos hoje a primeira nevasca com temperaturas variando entre 3 C e - 2C.  Foi pequena e tolinha, comparativamente ao que esta' por vir.  No entanto, ao sair de casa as 7h da manha para o Centro de Artes, conclui que jamais chegaria pontualmente a aula de Aquarela se nao empreendesse,  imediatamente, uma nova missao de reconhecimento nas redondezas .  Se um de voces decidir vir me visitar aqui durante o inverno, e' bom que leia atentamente o relatorio da missao.
Ai vai ele:

1. Carro - Joaninha  motorizada branca com mascara de vidro do batman
2. Taxi - Joaninha motorizada branca com mascara de vidro de batman e bone' amarelo
3.  Bus stop - Caixa de vidro alta com tampa branca
4.  Onibus - Centopeia vitaminada amarela vestida de noiva, se for da especie escolar.  Azul se for da   especie publica.
5.   Arvores - Fantasmas brancos de bracos esqualidos que apontam para o ceu , se da especie "maioria"
6.   Pinheiro - Arvore verde da especie "minoria"
7.   Limusine - Lagarta gigante branca e detefonada que mora num casulo na esquina.
8.   Hidrante - Anao vermelho de nariz branco
9.  Gente - Urso polar fora de padrao com pelagem colorida.
10. Enxame de vagalumes - decoracao natalina
11.  Sinal de PARE - boneco de neve bi-dimensional

Fim da missao .
Brrrrrrrrrrrrrrrrrrrr

PS.: Continuo sem acentos, cedilhas... essas coisas sem importancia para eles, humpft!

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Confetinho de travesseiro

Sempre tive o hábito de refinar no diálogo as críticas e os elogios que a mim chegavam. Foi assim que lapidei alguma integridade nessa vida.  Se tivesse tão somente ouvido as críticas ou os elogios , talvez tivesse sido desencaminhada por atalhos mudos. Tendo despendido verbo, tempo e atenção a ambas as coisas, hoje caminho completamente de quatro, mas pelo menos conservei curiosidade, perplexidade e coragem na travessia.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Serpentina de Montreal 1 - Consumo de roupas



Para uma cidade com pouco mais de 2 milhoes de habitantes, a quantidade de lojas de roupas em Montreal surpreende.  Nao sei como explicar a sobrevivencia dessas lojas, especialmente quando passo e vejo apenas 2 ou 3 clientes la' dentro .

A grande maioria das pessoas por aqui pode ter acesso as mesmas roupas da minoria mais abastada, basta para isso comparecer a ultima liquidacao antes da proxima estacao .  Os precos ao final da estacao vao caindo semanalmente e nos ultimos dias paga-se realmente muito pouco por boas roupas.  A frase que mais se ouve nesses momentos e':
- Let's buy, we have nothing to loose!. (Vamos comprar, nao temos nada a perder!) .
Nunca vi tanta liquidacao na minha vida e tanta roupa de qualidade a precos baixos . Falando assim parece NY, mas como a cidade e' bem menor, a gente nao sente aquele burburinho do consumismo desenfreado que se costuma sentir em NY, o que nao quer dizer que ele nao exista. Acho, no entanto, que a presenca da cultura francesa talvez ponha uma pitada de juizo na coisa, pitada essa que nao consigo sentir em NY, sei la'!

Todas as grandes marcas com colecao pret-a-porter tem presenca aqui: Calvin Klein, Giorgio Armani , DonnaKaran, etc. Usar essas marcas por aqui nao e' coisa de novo rico,e' coisa de antigo rico, rsrsrsrsrsr. Sao apenas marcas que existem no mercado e ponto. Ninguem da' muita bola pra elas. Marca de rico e' Chanel , por exemplo, como alias em qualquer parte do mundo, rsrsrsrs.

Os que nao conseguem comprar roupas no lancamento ou na ultima liquidacao,podem se dirigir a uma das lojas das cadeias de roupas usadas (Village de Valeurs , Fripe-Prix ) e comprar a mesma blusa cujo preco regular seria de 90 dolares por 10. E' preciso ter tempo e apurar o olhar, pois as lojas sao enormes, mas sempre se acha algo em bom estado a baixo custo. Achei uma camisa de excelente qualidade de uma marca que jamais ouvi na vida , praticamente nova, por 5 dolares (canadenses, nao se esquecam!). E o que e' melhor, a gente nao paga as taxas de Quebec na cadeia Fripe-Prix (na outra nao me lembro).

Um outro jeito de comprar roupas muito boas pela metade do preco, e' visitar comerciantes que vendem em suas casas. Ha' muitos imigrantes por aqui e a Economia Informal e' comum e tao frenetica quanto a Economia Formal.

Aqueles ainda menos abastados podem se dirigir `a igreja mais proxima um pouco antes do inicio da proxima estacao e conseguir , de graca , excelentes roupas doadas pelos fieis. No Brasil tambem temos pessoas que organizam voluntariamente essas atividades. A diferenca que senti , no entanto, foi na qualidade das doacoes que, por aqui, realmente surpreende. Nao estou exagerando, qualquer um de nos ficaria muito bem vestido com quase tudo que vi na feira da igreja que fui. Soube, no entanto, que aquela e' uma das melhores feirinhas de doacoes da cidade. Fica no Boulevard Pierrefonds. Ha' uma outra na regiao do metro, mas nao sei onde exatamente.

Confete com purpurina : Vi um mendigo lucido, cheio de moedas no chapeu , com um paleto' Hugo Boss pendurado no ombro em perfeito estado , ainda que muito, mas muito sujo mesmo . Nao podia ter deixado de eternizar o paradoxo daquela imagem, mas estava sem a minha maquininha de estimacao.
Me auto-flagelo nesses momentos!

Confete na lama : Ha' abrigos suficientes para todos os cidadaos sem casa mas, como e' comum acontecer em outros paises, por aqui tambem deixam muito a desejar. Ainda nao fui visitar nenhum , mas ja' ouvi coisas assustadoras a respeito deles.

Por hoje e' so'.
Beijo
ps.: o frio esta' chegando, brrrrrrrrrrrrrrrrrrr

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Janela de outono


















Janela de outono - Vera Mello
              Montreal, outubro de 2009

nos galhos desnudos
raras folhas de maple
suportam a crueldade do frio
indicam o rumo do vento
o destino dos sonhos
o valor do acaso
tempo meu de ocaso
                 pra elas me visto
                 por elas caminho
                 por elas me atalho
é delas que ainda me valho
quando me desfolho
e resisto

        

Confetes de Montreal

Alguns amigos pediram que eu enviasse noticias do cotidiano aqui de Montreal. Ai vao algumas.

1. Motorista de onibus da' bom dia a cada passageiro que entra . Existem motoristas mulheres lindas e perfumadas, motoristas homens bonitos , mas nao tao perfumados, rsrsrsrs... e eu vi ontem, pela primeira vez desde que cheguei (ha' 6 meses) , um onibus ultrapassando o outro. Tomei o maior susto! rsrsrsrsrsrs.
2. Criancas deficientes , idosos e doentes mentais , podem ser hospedados por familias que recebem subvencao do governo para isso. A maioria das casas que frequento "hospeda" alguem. E' um "negocio" por aqui e um programa de governo. Muita gente sobrevive disso. A cada 2 meses a Assistente Social responsavel por aquelas PESSOAS (e nao pelo programa generico) , promove uma reuniao de acompanhamento e avaliacao com : os Medicos que tratam delas, os pais de sangue, os pais hospedeiros , a Nutricionista e a Enfermeira responsavel direta por eles nas Instituicoes que frequentam durante o dia (geralmente centros de recuperacao). O programa tem problemas, claro, algumas pessoas tratam mal os Clientes (e' assim que eles chamam), outras declaram mais do que gastam com eles , mas ... senti inveja.
3. Ainda nao ouvi , ate' agora, nenhum barulho de briga, lixeiro, festa ou obra e sei que existem brigas, nao vejo lixo na rua, as pessoas dao MUITAS festas e minha rua e' um loteamento novo cheio de casas em construcao.
4. Ainda nao vi nada que agredisse os meus olhos, exceto quando viajei para os Estados Unidos e dei de cara com uma vitrine Prada.
5. O unico aroma desagradavel que senti ate' agora foi o dos gambás quando são atropelados nas estradas. Embora sejam mais bonitinhos que os nossos, no que compete ao aroma, não há diferença.
6. Ainda nao ouvi nenhuma conversa desagradável e , em media, a cultura das pessoas e' boa e o nivel educacional alto.
7. Reclamam as mesmas coisas dos políticos. Tem corrupção por aqui. Tenho sabido de coisas estarrecedoras, mas acho que por terem dinheiro e viverem bem, fazem vista grossa .
8. A antipatia recíproca entre franceses e ingleses continua absolutamente a mesma e o separatismo também.
9. A segurança na cidade e' boa, mas acontecem baixarias por aqui tambem : ladrao que invade casa (mais comum do que se pensa), estuprador pegando mulher nas moitas dos parques, ladrao de bolsa etc. Mas nao tem traficante abatendo helicoptero , embora eu tenha visto muitos adolescentes fumando maconha nas ruas.
10. Ai, ai... tentam te pegar para comprar TUDO e os truques sao de todos os tipos, simples e sofisticados. Tem que ficar de olho. So' nao e' pior que os Estados Unidos, mas em comprite nao ficam muito longe nao, consomem bastante.
11. Estao distribuindo folhetos de prevencao contra a gripe suina. Tem anuncio por toda parte avisando para espirrar no braco, perto do cotovelo e nao nas maos . Estao tambem comecando a vacinar a populacao contra a gripe suina (criancas e idosos primeiro). Soube pela empregada da casa que uma senhora em Toronto ou Vancouver tomou a vacina e comecou a andar para tras. O pior e' que e' verdade, lamento informar ...e ninguem sabe explicar a razao, mas tem gente ja' com receio de se vacinar. A imprensa fala do assunto, esclarece, mas nao e' alarmista.

Por hoje e' so', quem tiver curiosidade de saber mais me avise.
Beijos cheios de saudade do nosso calorzinho humano

domingo, 19 de abril de 2009

Degustando

Cada dia mais silenciosa, cultivo as palavras sem assombro.
Palavras o dicionário congela, o povo descongela. O poeta?
Entorna e bebe.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Vinhedos e vinhetas

O QUE É

Bate-papo poético-musical para iniciantes na arte do vinho.

Os conceitos básicos da arte do vinho são apresentados, estabelecendo analogias entre a mais poética de todas as bebidas e os relacionamentos humanos.  A plateia participa, opina, relaxa e se diverte.

terça-feira, 31 de março de 2009

Fundamentos da crise

O que é poupança?

Nunca parei para pensar nos fundamentos que me fizeram conseguir realizar todas as metas materiais de minha vida . Alguns amigos que conhecem minhas origens suburbanas, costumam me dar parabéns não só pelas conquistas , mas também pelo fato de terem sido obtidas honestamente. Frequentemente me perguntam como aprendi a administrar minhas finanças se nunca tive na vida muito dinheiro e jamais tive uma aula formal de Economia. Quando comecei a administrar meus salários, tínhamos vários formadores de opinião pelas esquinas e nenhum Economista. Hoje temos dezenas de Economistas pelas esquinas e apenas um formador de opinião: a Rede Globo.
Fico sempre ao mesmo tempo feliz e surpresa, quando me parabenizam. Outro dia, vendo Economistas na TV falando da importancia da poupança para viabilizar projetos materiais, decidi ouvi-los. Quem sabe aprenderia ali os fundamentos de minha práxis? Fiquei perplexa!
Poupei durante toda uma vida e não conseguia entender o que eles diziam, então pensei:
- Ainda bem que aprendi a fazer isso com meu pai e minha mãe, pois se dependesse deles estaria perdida!

Vou contar pra vocês como foi essa história , sem querer fazer aqui apologia do modo como aprendi. É apenas um modo, entre tantos outros, com pontos positivos e negativos, mas pelo menos é simples e fácil de ser compreendido por qualquer criança.

Meu pai, único provedor de uma família com 3 filhos nascida e criada no subúrbio da Piedade, descobriu certa vez que precisava por uma ordem nos gastos familiares, mas que para isso teria que contar com a colaboração de TODOS. Mandou fazer então uma caixinha com 35 divisórias da seguinte forma:

31 divisórias numeradas , para despesas diárias da casa.
1 divisória para contas do mes
1 divisória para gastos extraordinários
1 divisória para sobras
1 divisória vazia

Em seguida reuniu a família e disse.
"Eu vou colocar no início de cada mes, dentro de cada um desses 31 quadradinhos numerados, um valor que sua mãe estipulou como suficiente para as despesas diárias da casa. Vou colocar no quadradinho de contas do mes, dinheiro suficiente para que paguemos nossas despesas com luz, gás, aluguel, etc. , com base nos últimos gastos que temos tido. Vou colocar no quadradinho de gastos extraordinários, algum dinheiro para que possamos comprar ou pagar coisas não previstas que eu , sua mãe e vocês julgarmos necessárias, como roupas, sapatos, conserto de algum ventilador ou máquina que tenha quebrado, com base nos valores gastos nos últimos meses (não falou em média dos últimos meses , pois seria de difícil entendimento para crianças da nossa idade) . Tudo que restar em algum desses escaninhos, colocaremos na caixa de "sobras" , para que possamos comprar coisas pra gente se divertir e isso inclui pagar passeios e viagens de final de semana".
Pronto! Estava dada a senha para a colaboração . Daí para a frente nem precisou duvidar se contaria ou não com a nossa ajuda. Tudo o que mais gostávamos na vida era de passear e viajar com a família para Petrópolis e Teresópolis nos finais de semana. Eram nossas viagens possíveis e nos faziam muito felizes. Tenho uma foto da minha mãe brincando comigo numa gangorra do Hotel Várzea, em Teresópolis, que atesta um dos melhores momentos de nossa convivência. É bem verdade que, naquela época, o Estado Brasileiro não era tão voraz e não tínhamos que ceder toda a nossa poupança e mais alguma coisa para o governo se locupletar , enquanto ficamos presos em prédios gradeados e passamos nossas férias em casa . Foi assim que aprendi a administrar minha vida financeira. Me lembro da nossa alegria quando Mamãe fazia um "lavoisier" . Nada melhor que o sabor de sua fritada com o resto da carne moída do dia anterior e nada mais prazeroso do que acompanhar com os olhinhos, todo o dinheiro de um dia indo para a caixa de sobras. Acho que é por isso que até hoje ADORO fritadas! Passamos a beber menos guaranás e a comprar menos balas, o que foi ótimo para os nossos dentes e para os hábitos consumistas comuns nas crianças . Passamos a olhar todos os dias a caixinha de sobras e a sentir alegria cotidiana com a proximidade de realização do sonho. Ninguém tirava um centavo dela, pois ela pertencia a TODOS e TODOS sabiam exatamente quanto tinha lá. As comidas ficaram mais saudáveis, minha mãe mais alegre, pois ficaria longe da cozinha por dois dias nos finais de semana , eu e minha irmã passamos a pedir menos roupas, meu irmão a conservar melhor as suas pipas e a sua linha com cerol, todos apagavam as luzes quando saíam dos cômodos e meu pai passou a reclamar menos de nós.
Várias coisas aprendi daí. Aprendi que a realização de nossos sonhos depende de ações realizadas hoje e que qualquer sonho é possível com determinação. Aprendi que mãe e pai são os mais amorosos e importantes professores que passam pelas nossas vidas.
Muitos filhos não sabem disso, mas mais grave que isso, é constatar que muitos pais também não sabem. Aprendi que família é para ter projetos individuais e também coletivos e que quando os projetos coletivos não existem, é melhor que você fique alerta, porque provavelmente a família já escapou e você não percebeu. Terrível também, é descobrir que alguém que você confiava está tirando dinheiro de você para realizar um projeto individual sem o seu consentimento. Isso abala a confiança mútua e , sem ela, os sonhos coletivos vão para o limbo. Pior que isso : está aberta a porta para o individualismo e para a barbárie. Aprendi que dependência econômica pode ser boa se há projeto coletivo, mas pode ser extremamente opressora se você só está ali servindo ao projeto daquele de quem depende, seja esse alguém um indivíduo ou uma nação . Aprendi que liderança só é boa , quando zela pelos objetivos, prazeres e pelas responsabilidades individuais de um grupo. Aprendi que TODOS precisam se empenhar para que o projeto coletivo seja realizado . Aprendi que os verdadeiros líderes devem acenar com ganhos e prazeres ao final da lida , do contrário não há estímulo para a participação no projeto coletivo, enfim... pequenas lições cotidianas que parecem ter passado muito ao largo das famílias e das cabeças daqueles que se dizem gestores da nossa coisa pública. E o que é mais grave, nós os elegemos!
Mais tarde vislumbrei alguns princípios Piagetianos naquela atitude de meu pai. Estávamos numa idade em que as crianças aprendem operando concretamente sobre o mundo, daí a importância da caixinha. Criança, também, é bichinho esperto e aprende com "exemplos" e não com "palavras". Por isso sinto hoje muita pena e tristeza quando penso nas crianças brasileiras.

Ah! Não me perguntem a função da caixinha vazia. Nunca soubemos!
É só.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios





Inaugurando o Reinado de Momo 2009, achei interessante publicar 2 revisões de princípios.  De saída, música do "Ourives do Palavreado" Aldir Blanc em parceria com João Bosco, cujo primeiro verso serve de título ao discurso de Chico Alencar, realizado no dia 18 de fevereiro deste ano, divulgado em seguida.
De Porta Bandeira deste nosso bloco, um verso do poeta Manoel de Barros : "Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios!"
 Um ótimo carnaval para todos,
Vera Mello
PS.:  A foto é de objeto inspirado no poema Self-portrait de Aldir Blanc, confeccionado para o espetáculo em homenagem aos seus 60 anos



PLATAFORMA
João Bosco e Aldir Blanc

Não põe corda no meu bloco
Nem vem com teu carro-chefe
Não dá ordem ao pessoal
Não traz lema nem divisa
Que a gente não precisa
Que organizem nosso carnaval
Não sou candidato a nada
Meu negócio é madrugada
Mas meu coração não se conforma
O meu peito é do contra
E por isso mete bronca
Nesse samba-plataforma
Por um bloco que derrube esse coreto
Por passistas à vontade
Que não dancem o minueto
Por um bloco sem bandeira ou fingimento
Que balance e abagunce
O desfile e o julgamento
Por um bloco que aumente o movimento
Que sacuda e arrebente
O cordão de isolamento.
Não põe no meu.


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Não põe corda no meu bloco
(Chico Alencar)

O Brasil é o país do carnaval. Além de título de livro do Jorge Amado, essa é uma marca cantada em prosa e verso por muitos poetas e músicos que engrandecem a nossa cultura. Recife, Olinda, Salvador, entre tantas outras cidades brasileiras, sempre tiveram grande expressão na imensa festa popular que recobre por inteiro o nosso território.

No entanto, vale reivindicar para os cariocas um lugar de destaque na constelação festiva. Lembrando o hino da Velha Guarda da Portela, segundo o qual "o nosso teor não é humilhar a ninguém", o carnaval do Rio de Janeiro é uma festa popular maravilhosa.
As festas populares, na história da humanidade, são sempre denúncia e anúncio. Denúncia, pelo riso e pela ironia, de tudo que entristece a vida, machuca as pessoas, suja o mundo e encarece o pão: fome, doença, opressão. Anúncio do céu na terra que há de vir, com um planeta solidário e justo, costurado em festa, trabalho e afeição. Os seres humanos, ao longo do tempo, comemoram colheitas, chegadas de primaveras, independências, fim de guerras, negação de inferno. O carnaval, no Brasil, também nasceu assim: a válvula de escape oferecida pelos senhores de escravos, nos dias que antecediam a Quaresma, foi se transformando em folguedo, folia, celebração da liberdade e da alegria de viver.

O povo, que mói no áspero o ano inteiro, ocupa as ruas com seu inesgotável estoque de alegria. E faz a festa do portentoso descarrego para as agruras de um cotidiano pesado e difícil. O desafogo é cronometrado, mas o que nele transborda é a alegoria da liberdade, que faz de Momo o único rei que a multidão aceita. Até quarta-feira, quando tudo volta ao normal, o que prevalece é a festa reveladora da vitalidade perene da presença popular. Nela se manifesta, como aspiração de uma vida melhor e mais feliz, aquilo que o cronista João do Rio chamava de "alma encantadora das ruas".

O carnaval do Rio é o carnaval de rua. O carioca, de nascimento ou adoção, é versado em resistir, insistir e não desistir da vida plena. Em matéria de resistência cultural, o Rio é um bloco em cada esquina. O Cordão do Bola Preta, símbolo maior, e a Banda de Ipanema, com Leila Diniz de eterna rainha, abrem a lista. Na seqüência interminável, uma infinidade de nomes onde a festa popular monta trincheiras de combate. Pela ordem da antiguidade: Clube do Samba, do saudoso João Nogueira, Barbas e Simpatia é Quase Amor. Em seguida, Suvaco de Cristo, Bloco de Segunda, Escravos da Mauá, Imprensa que eu Gamo, Meu Bem eu Volto Já, Nem Muda nem sai de Cima, Carmelitas e tantos outros. O Cordão do Boitatá, com seus maxixes na Praça Quinze, o Céu na Terra, que faz jus ao nome, o Rancho Flor do Sereno, no Bip Bip do Alfredinho. Os metais e frevos do Bloco da Ansiedade, a festa das crianças no Gigantes da Lira e o batuque familiar do Bagunça meu Coreto, além da promessa potencial do Esse é o Bom, mas Ninguém Sabe. São tantos, centenas ou milhares, e a cada ano surgem outros tantos: Marcangalhas,Vem ni mim Qui Sou Facinha, Badalo, Largo do Machado mas não Largo do Copo...
Nos blocos de rua do Rio de Janeiro não existe cordão de isolamento nem se exige abadá: é só chegar, com a "moeda" da fantasia inventada na hora e a disposição de entrega harmoniosa ao festival coletivo. Alegria não paga entrada. A cidade do samba, nos dias de carnaval, é a cidade inteira. Mais do que no espetáculo grandioso do Sambódromo, aprisionado pelo esquema empresarial da Liga que controla o desfile oficial, é nas ruas e becos da cidade que sobrevive e se alimenta o espírito libertário do carnaval carioca. Sem tal espírito, a materialidade da Sapucaí se desmancharia no ar. O concreto aparente, a parafernália eletrônica que monopoliza a transmissão, a grana que se reproduz nos desvãos da festa, além das celebridades siliconadas, são camadas superpostas sobre a força cultural do samba carioca. Até os grandes sambistas, músicos, passistas e carnavalescos que lá se apresentam sabem disto. Espantado com o aparato do espetáculo, um samba da velha guarda afirma nostálgico: "Portela / conheço teu passado / pertenço a tua raiz / no tempo da simplicidade eras mais feliz".

Oswald de Andrade, em seu "Primeiro Caderno de Aluno de Poesia", define a mescla na qual se origina a festa carnavalesca onde o Brasil se reconhece. Segundo ele, o Zé Pereira chegou de caravela e perguntou para o guarani da mata virgem: "sois cristão?" Recebeu como resposta sincopada: "Não. Sou bravo, sou forte, sou filho da Morte. Teterê, tetê, Quizá, Quizá, Quecê. Depois o negro zonzo saído da fornalha tomou a palavra e respondeu: "Sim, pela graça de Deus. Canhem Babá, Canhem Babá, Cum Cum! E fizeram o Carnaval". Os filhos da mata virgem, os filhos dos Quilombos e Quizombas, os filhos do sapateiro Zé Pereira formam as raízes que fazem do carnaval carioca uma festa popular maravilhosa. Evoé, Momo!

Agradeço a atenção,
Sala das Sessões, 18 de fevereiro de 2009.
Chico Alencar
Deputado Federal, PSOL/RJ

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Desjejum

em noite de insônia
disseco grávido mamão 
           dilacero feto e sementes
           com os soldados dos dentes
sonolenta, apago rastros
limpo o local do crime
ocultando restos do cadáver
sob o guardanapo
Equívoco

égua no xadrez sob o cavalo
não quer o jogo, não quer o falo
           nada de cama
           nada de tara

se esboça sem jeito
moribundo sexo
precipitado 

            sons de tesão sem ardor
            pressa que lambe voraz
            o que não sabe a sabor

melhor o xeque-mate
porque tédio é esse estado esquisito
de quem não sincroniza
AMANDO NAS ESTRELAS

As manhãs renascerão
o padeiro fará pão
um de nós não estará lá
nem pro café,
nem pro bolo,
nem pro beijo,
nem pro colo,
nem para o olho no olho

nossa ausência iluminada
por luzes de alma lavada dirá :
- Olá! Ao luar...
se for para mim querido
já aprendi a orar
se for pra você meu anjo
olhe para o céu distante
aquela estrela cadente
mergulhando em pleno ar
sou eu em acrobacias
cheinha de alegria
tentando entrar sem ser vista
pelo seu teto solar

É preciso mais que saudade
para se amar nas estrelas
é preciso calma, coragem
fazer da dor homenagem
e perder o medo de vê-las