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terça-feira, 31 de março de 2009

Fundamentos da crise

O que é poupança?

Nunca parei para pensar nos fundamentos que me fizeram conseguir realizar todas as metas materiais de minha vida . Alguns amigos que conhecem minhas origens suburbanas, costumam me dar parabéns não só pelas conquistas , mas também pelo fato de terem sido obtidas honestamente. Frequentemente me perguntam como aprendi a administrar minhas finanças se nunca tive na vida muito dinheiro e jamais tive uma aula formal de Economia. Quando comecei a administrar meus salários, tínhamos vários formadores de opinião pelas esquinas e nenhum Economista. Hoje temos dezenas de Economistas pelas esquinas e apenas um formador de opinião: a Rede Globo.
Fico sempre ao mesmo tempo feliz e surpresa, quando me parabenizam. Outro dia, vendo Economistas na TV falando da importancia da poupança para viabilizar projetos materiais, decidi ouvi-los. Quem sabe aprenderia ali os fundamentos de minha práxis? Fiquei perplexa!
Poupei durante toda uma vida e não conseguia entender o que eles diziam, então pensei:
- Ainda bem que aprendi a fazer isso com meu pai e minha mãe, pois se dependesse deles estaria perdida!

Vou contar pra vocês como foi essa história , sem querer fazer aqui apologia do modo como aprendi. É apenas um modo, entre tantos outros, com pontos positivos e negativos, mas pelo menos é simples e fácil de ser compreendido por qualquer criança.

Meu pai, único provedor de uma família com 3 filhos nascida e criada no subúrbio da Piedade, descobriu certa vez que precisava por uma ordem nos gastos familiares, mas que para isso teria que contar com a colaboração de TODOS. Mandou fazer então uma caixinha com 35 divisórias da seguinte forma:

31 divisórias numeradas , para despesas diárias da casa.
1 divisória para contas do mes
1 divisória para gastos extraordinários
1 divisória para sobras
1 divisória vazia

Em seguida reuniu a família e disse.
"Eu vou colocar no início de cada mes, dentro de cada um desses 31 quadradinhos numerados, um valor que sua mãe estipulou como suficiente para as despesas diárias da casa. Vou colocar no quadradinho de contas do mes, dinheiro suficiente para que paguemos nossas despesas com luz, gás, aluguel, etc. , com base nos últimos gastos que temos tido. Vou colocar no quadradinho de gastos extraordinários, algum dinheiro para que possamos comprar ou pagar coisas não previstas que eu , sua mãe e vocês julgarmos necessárias, como roupas, sapatos, conserto de algum ventilador ou máquina que tenha quebrado, com base nos valores gastos nos últimos meses (não falou em média dos últimos meses , pois seria de difícil entendimento para crianças da nossa idade) . Tudo que restar em algum desses escaninhos, colocaremos na caixa de "sobras" , para que possamos comprar coisas pra gente se divertir e isso inclui pagar passeios e viagens de final de semana".
Pronto! Estava dada a senha para a colaboração . Daí para a frente nem precisou duvidar se contaria ou não com a nossa ajuda. Tudo o que mais gostávamos na vida era de passear e viajar com a família para Petrópolis e Teresópolis nos finais de semana. Eram nossas viagens possíveis e nos faziam muito felizes. Tenho uma foto da minha mãe brincando comigo numa gangorra do Hotel Várzea, em Teresópolis, que atesta um dos melhores momentos de nossa convivência. É bem verdade que, naquela época, o Estado Brasileiro não era tão voraz e não tínhamos que ceder toda a nossa poupança e mais alguma coisa para o governo se locupletar , enquanto ficamos presos em prédios gradeados e passamos nossas férias em casa . Foi assim que aprendi a administrar minha vida financeira. Me lembro da nossa alegria quando Mamãe fazia um "lavoisier" . Nada melhor que o sabor de sua fritada com o resto da carne moída do dia anterior e nada mais prazeroso do que acompanhar com os olhinhos, todo o dinheiro de um dia indo para a caixa de sobras. Acho que é por isso que até hoje ADORO fritadas! Passamos a beber menos guaranás e a comprar menos balas, o que foi ótimo para os nossos dentes e para os hábitos consumistas comuns nas crianças . Passamos a olhar todos os dias a caixinha de sobras e a sentir alegria cotidiana com a proximidade de realização do sonho. Ninguém tirava um centavo dela, pois ela pertencia a TODOS e TODOS sabiam exatamente quanto tinha lá. As comidas ficaram mais saudáveis, minha mãe mais alegre, pois ficaria longe da cozinha por dois dias nos finais de semana , eu e minha irmã passamos a pedir menos roupas, meu irmão a conservar melhor as suas pipas e a sua linha com cerol, todos apagavam as luzes quando saíam dos cômodos e meu pai passou a reclamar menos de nós.
Várias coisas aprendi daí. Aprendi que a realização de nossos sonhos depende de ações realizadas hoje e que qualquer sonho é possível com determinação. Aprendi que mãe e pai são os mais amorosos e importantes professores que passam pelas nossas vidas.
Muitos filhos não sabem disso, mas mais grave que isso, é constatar que muitos pais também não sabem. Aprendi que família é para ter projetos individuais e também coletivos e que quando os projetos coletivos não existem, é melhor que você fique alerta, porque provavelmente a família já escapou e você não percebeu. Terrível também, é descobrir que alguém que você confiava está tirando dinheiro de você para realizar um projeto individual sem o seu consentimento. Isso abala a confiança mútua e , sem ela, os sonhos coletivos vão para o limbo. Pior que isso : está aberta a porta para o individualismo e para a barbárie. Aprendi que dependência econômica pode ser boa se há projeto coletivo, mas pode ser extremamente opressora se você só está ali servindo ao projeto daquele de quem depende, seja esse alguém um indivíduo ou uma nação . Aprendi que liderança só é boa , quando zela pelos objetivos, prazeres e pelas responsabilidades individuais de um grupo. Aprendi que TODOS precisam se empenhar para que o projeto coletivo seja realizado . Aprendi que os verdadeiros líderes devem acenar com ganhos e prazeres ao final da lida , do contrário não há estímulo para a participação no projeto coletivo, enfim... pequenas lições cotidianas que parecem ter passado muito ao largo das famílias e das cabeças daqueles que se dizem gestores da nossa coisa pública. E o que é mais grave, nós os elegemos!
Mais tarde vislumbrei alguns princípios Piagetianos naquela atitude de meu pai. Estávamos numa idade em que as crianças aprendem operando concretamente sobre o mundo, daí a importância da caixinha. Criança, também, é bichinho esperto e aprende com "exemplos" e não com "palavras". Por isso sinto hoje muita pena e tristeza quando penso nas crianças brasileiras.

Ah! Não me perguntem a função da caixinha vazia. Nunca soubemos!
É só.