Prezados amigos,
Continuo em Montreal sem acentos, cedilhas, til etc .
Peco licenca para falar meio tardiamente da morte de Michael Jackson. Nao, nao me digam que estao cansados do tema, MJ e' tema para uma vida inteira.
Assisti "This is it" aqui em Montreal, logo que foi lancado, a uns meses atras. Vi o filme longe das telonas, em absoluto silencio, como em oracao. Desde aquele dia tento escrever algo sobre a morte de Michael Jackson e nao consigo. Hoje, no entanto, motivada por um artigo do Carlos Saul Duque, gentilmente enviado pelo meu amigo Tito, decidi que iria colocar o que penso aqui, mesmo sabendo que o que vai escrito esta' muito longe ainda do que sinto e senti com sua morte.
Todos esses anos, sempre que me referia a MJ , me referia como o "artista do seculo" e ultimamente, sempre que o via na media, tinha a sensacao de que daquele dia ele nao passaria. Sua morte tardia me surpreendeu. Penso que MJ resistiu muito, considerando seu talento e genialidade. Artistas como ele nao duram muito nesse mundo que inventamos. Criatividade , sensibilidade e talento continuam sendo expulsos do cotidiano seja pela opressao do discurso racional, seja pela maquina de fazer dinheiro, seja pela inveja . Alguns artistas menos geniais morreram bem antes. Isso para mim explica sua fragilidade
ao final da vida.
O mundo nao estava preparado para M.J. Ele resistiu o maximo que pode. Se aparecer algum outro, tambem nao estaremos prontos. Nao falo isso como fa apaixonada apenas , falo como alguem que tem ca' alguns talentos e se esforca por viver criativamente num mundo estruturado para dizimar a sensibilidade, a criatividade , a verdade e a liberdade , em todos os niveis em que elas se manifestem. Tente fazer da sua vida uma vida mais criativa e verdadeira com os amigos, na escola , na igreja, no banco , no seu trabalho, na sua casa com seus filhos , no sexo com o seu companheiro e sua vida vai virar uma batalha cotidiana infernal enquanto paralelamente todos acharao voce uma pessoa interessante. Nao estou querendo dizer com isso que nao valha a pena. Sempre valera' a pena , "tudo vale a pena se a alma nao e' pequena" ja' diria Fernando Pessoa, o problema e' que alma grande nao se ve a toda hora, nao anda sobrando por ai'. Vejo a criatividade como a unica forma de respirar nesse mundo, mas que da' um trabalho insano viver criativamente, da'!. Sempre havera' uma mediocridade a espreita na esquina, aguardando para dar conotacao de "inadequacao" ao seu pensamento inovador ou `a manifestacao espontanea de algum rasgo de sua sensibilidade. Somos "serial killers" de talento, de sensibilidade, de criatividade e de liberdade ha' seculos. Matamos diariamente nossos melhores talentos no trabalho, nas escolas , nos bares , em casa . Se nao o fazemos abertamente, trataremos de faze-lo velada e "mui amorosamente", com frases do tipo: " que ideia maluca e' essa?", "pare de ser sonhador", "deixe de ser utopico e caia na real ", etc.
Meu sentimento ao ver o filme, foi o mesmo do Colunista Carlos Saul Duque . Me comovi `as lagrimas durante a filmagem dos ensaios, vendo o cansaco e o esforco de MJ na luta contra o que lhe parecia trivial, na luta de transmitir uma dinamica musical mais sutil e adequada `a expressao dos sentimentos de um ser humano recem ressuscitado. Em alguns momentos ele parecia mesmo estar "entregando os pontos" , parecia estar cansado de viver e se explicar , cansado de tentar expressar seu talento e sensibilidade para um mundo caduco, incapaz de conviver com a criatividade de um artista incomparavel.
Sofri com a perda de MJ, mas ao mesmo tempo senti um certo alivio por ele. A morte, finalmente, o libertou. O mundo continuara' tentando lembrar dele mais pelas "esquisitices" , continuara' tentando enquadra-lo nas suas mediocres caixinhas. Quando nao conseguimos compreender um genio inovador, ao inves de empreendermos um esforco maior para que possamos absorver o que ele tem a dizer, geralmente o matamos, o ignoramos ou tentamos fazer dele uma coisinha menor, para que fique `a altura de nossa limitada compreensao. Michael nao permitiu que o ignorassemos , mas fomos tao crueis na nossa reducao que acabamos por afasta-lo dos palcos e ficamos anos sem acesso a grandiosidade do seu talento. O esforco para voltar, com a energia ja' bastante consumida pela crueldade do mundo , acabou sendo grande demais.
Li hoje uma frase do teologo liberal americano Henry Ward Beecher , que me chamou a atencao:
" O melhor sucesso de alguem, vem depois de sua maior decepcao" . Michael parecia muito decepcionado com o mundo. Quanto a nos, perdemos o espetaculo do seculo e estamos agora tentando arranjar um bode expiatorio que nos redima, o pobre Medico que tentava ajuda-lo a suportar a maior crise ja' vivida por um Artista. Culpando o Medico, pensamos redimir nossa culpa. This is it!
quinta-feira, 22 de abril de 2010
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