Rima s.f.
Recurso usado por quem sofre, pra fingir que
é capaz de controlar a dor .
Obrigada pai, pelo amor à poesia , que me indicou o caminho de pôr o caos em palavras. Obrigada mãe, pelo amor ao ritmo, que me ensinou a ouvir o tempo do coração. Obrigada a ambos pelo amor à música nessa fusão... de pulsações nos compassos , de narrativas melódicas, de harmonia nos acordes da minha própria canção. Obrigada a você Arnaldo, incansável anjo da guarda, pelo apoio que me dá quando, de olho no espelho, coloco meu dedo em riste em direção ao nariz, sem deixar barato ao cheiro. É tanto caco, tanta vida, tanta emoção mãe... e eu tô aqui revivida,com energia ainda para colar os pedaços.
Tem sido difícil mãe, sacrificado meu pai! Sensibilidade à mostra, em carne viva, teimosa ... é difícil de levar largada nesse mundão! Tem de tudo por aqui. Tem amor, dor , confusão... e tem até muita gente curiosa de se ver. É preciso estar atenta, com a porta entreaberta, escancarada? Jamais! E a minha estava aberta, mãe...e eu deixei esparramar tudo aquilo que vi dentro, que nem sei como brotou. Parecia um grande amor, parecia só desejo, parecia déjà vu, parecia até às vezes que eu sempre estivera ali. Deu uma vontade danada de me virar pelo avesso e amar em profusão, pude não!
Tinha um “day after” estranho, que eu não podia entender, como se amar de novo pudesse comprometer. Tinha grito, baixaria, raiva logo no outro dia! E quanto mais eu queria, com mais força a raiva vinha, como se tara e paixão fossem coisas do demônio... e a mulher, o patrão!. Tinha defesa, desleixo... e um jeito muito esquesito de arrematar os desfechos.
Fiz muitos castelos não, mãe! Só queria ter a roupa retirada devagar , ou com tara de apaches numa noite de luar, ou só as pressas, quem sabe? Na ânsia de apaixonar. Só queria amor inteiro, que desse pra rir e chorar, desses que exigem coragem pra se poder enfrentar, mas que é preciso fluir, pra conferir no que dá. Deixar escorrer o mel, pra degustar o que resta... e se tiver que morrer, que se possa dar adeus mantendo o gosto da festa! E se a dor for fatal, como alinhavo final, quem sabe um cartão postal retribuído com flores? E as histórias se completam... e estão salvos os amores!
Obrigada Adélia , Drummond, Lucinda ! Que seus versos ganhem vida no coração dos aflitos, dos que expropriam a memória do ardente calor dos corpos, do sabor dos beijos, da sonoridade das palavras e vivem de lá pra cá, sem bússola, sem radar, sem clareza do que há dentro, sem querer elucidar e que inventando eufemismos para os fantasmas da alma, sem saber suavizar, confundem F com P na luta pelo poder, chamam ódio de amor, indelicadeza de sinceridade, ansiedade de tesão , egoísmo desmedido de saudável individualidade! E olha, também sou de aquário, foi muito trabalho árduo nos labirintos do peito, para enxergar tudo isso, desse outro jeito.
Mãe, Pai , obrigada mais uma vez, por terem me dado a arte como alternativa à loucura, por terem me dado o diálogo como alternativa ao silêncio, e o profundo respeito à condição humana, como alternativa ao desprezo.
Errei muito no caminho, mãe! Tentei aceitar o possível e vivê-lo de bom grado. Talvez tenha confundido, talvez tenha me enganado, talvez tenha me omitido. Acreditei no empate, entrei na paixão desabrida e quando dei conta do engano, soneguei minha ternura, escondi delicadeza , convertí minha doçura em raiva de mulher presa. Guardei tanto que de bom fora melhor ter trocado, que isso dói muito mãe, dói mais que ser rejeitado. Dói de não ter saído, dói de ter sido guardado, dói de não ter podido mostrar toda a minha face. E essa foi a minha parte! É difícil ser feliz nesse mundo carcomido, neoliberal, consumista. Hoje no pocker do sexo, o amor parece não ter nexo e nem cacife bastante para ter lugar à mesa. Passado, presente e futuro, estados do tempo e da alma, se comprimem numa noite e ficam ali conformados, cúmplices da inconsequência. Os seres humanos mãe, perderam individualidades; são números, estatísticas, desprovidos de vontade. E vamos todos morrendo, em rios de vinte centímetros de média profundidade! Afogados nos abismos das couraças corporais implorando uma massagem, das palavras interditas, das verdades ocultadas, dos sentimentos falidos e nus, caídos à beira da estrada.
É hora de trabalhar! Vou pegar esses caquinhos espalhados pelo chão,olhar cada qual direitinho, sem medo da revisão. Se não servir para essa, serve pra outra ocasião. Vou catar os espartilhos, que eu gosto de deixar, calcinhas e soutiens que eu mal cheguei a usar, dos muitos momentos de amor que eu esperava encontrar e fazer uma fogueira, cercada das flores vermelhas que eu sonhava ganhar. Enquanto estiver queimando, eu vou me sentar do lado e invocar o Arnaldo para vir me ajudar e vou chorar como louca, pensando naquela boca que eu ainda queria beijar. Vou pensar também ainda, naquela vontade que eu tive e não pude realizar, de pegá-lo pelos pés e lamber cada dedinho, sem pular nenhum dos dez. E repetir igualzinho com cada dedo da mão, com cada articulação,com cada marca da vida que eu visse pelo caminho e que, por intuição, imaginasse ser eco de uma dor do coração.
Terminada a excursão pelos abismos da alma, na minha imaginação, implorarei de joelhos , aquele último beijo que ele deixou de me dar e implorarei ainda pra que faça amor comigo, tendo meu corpo de abrigo pra gente se apaziguar.
Depois da força da imagem, feito o rito de passagem, procurarei relaxar. Vou andar por Ipanema ,sentir o cheiro do mar, soltar o meu diafragma pra que possa respirar e quando puder vou buscar experimentar outros rumos, visando me adaptar a esse bolsão de consumo das novas formas de amar.
Pra começar vou seguir o exemplo da Elisa . Vou fazer uma safena e “abrir as inscrições para os machos de plantão que vivem a me desejar. Vestirei vermelho escarlate e torcerei pra que matem o outro que ainda está lá”, não sem antes implorar a todos os padroeiros, que me livrem por inteiro dos amores dos amantes que brincam com o verbo amar. Se apavore não Arnaldo, tou falando tudo isso só para desabafar! Sei bem onde tenho os pés , ainda que esteja sem chão.
Hoje eu vou dormir com a Pepona, meu bonecão de algodão. Ela é macia, receptiva e, sobretudo, inofensiva! Não é regressão não mãe, é só um doce descanso antes da volta ao timão. Chega de amor oprimido, carinhos de ocasião, chega de brincadeira com meu saudável te-são!
Boa noite pai! Boa noite mãe! Boa noite meu filho! Mamãe andou à deriva, mas já avistou o cais. Conseguiu sobreviver, sem fazer você sofrer , sem perder a lucidez ou dizer : amor? Nunca mais!!! (março 1995)